sábado, março 24, 2007

DEDICATÓRIA À MARTA

"O Livro da Marta ou “O poeta é como um planeta sobre a luz” (*)

Escolho o livro da Marta para tema da minha primeira crónica no jornal Correio do Norte. O livro foi oferta de uma amiga. É azul. Tem letras brancas na capa. Parece o céu limpo do norte de São Miguel, quando é Verão e é de tarde e as árvores parecem querer soltar-se do chão para se opor à lei que manda que estejam quietas, cumprindo o ofício de ser sombra e mais nada. O livro é de poesia e não tem fim: é como a Marta, penso. Nesta noite, trouxe-o para cima para o lugar onde, normalmente escrevo, depois de ter viajado comigo na mala, entre as ilhas do grupo central. De vez em quando, tirei-o, abri-o, li-o, tornei a fechá-lo e pensei na Marta. (Eu, que nunca falei com a Marta. Hoje, tenho-a aqui a falar comigo). Por isso, escrevo devagar para não me distrair do que me conta e, sobretudo, não lhe traçar um perfil fixo. Demasiado analítico.

(Também acredito que “o poeta é como uma planeta sobre a luz”).

Enquanto, o folheio e leio, lembro-me de um verso de Gonçalo M. Tavares:

“Há tantas coisas que falam ao mesmo tempo”. É assim que sinto o livro da Marta. Voando entre as ilhas, conheci a avó da Marta e lembrei-me das minhas duas avós. Nos seus vestidos pretos e os seus olhares destemidos, como borboletas em passo de gigante, enchendo-me a vida de ar, combatendo os malditos (Maria e Ana. Eu: elemento). O livro da Marta tem isso e “o som ilumina o silêncio” porque em mim (também) “havia uma casa feita de respirações (…)” O livro da Marta também é isto e de dentro parece que saltam papéis de cores muito variadas e por dentro dele volto a correr com os meus onze anos, em direcção a um barco de gente carregada de afectos e armada até aos ossos com mãos (de avó). O livro da Marta tem muitas coisas verdadeiras. Talvez, por isso, Daniel de Sá, na introdução do livro tenha escrito que os poemas da Marta são “para rezar”. Eu não desminto. Encontrei-me comigo mesma em quase todos.

Encontrei-me com a minha gente neles todos; às vezes, nas entrelinhas, cheguei a ter a sensação de ver sentado, um avô ao leme, outro velejando nas palavras que escrevia e que me deixou para não morrer nunca mais em mim. As palavras também servem para isso: para não morrer. O livro da Marta não tem fim. É como a Marta. Tenho a certeza, agora. E, por tê-la, quero dedicar a minha primeira crónica no Correio do Norte à Marta.“

Não sou eu que sou diferente/ vocês é que são muito/uns iguais aos outros.”/ (Assim foi). Assim é e assim seja. Amen.

(*) Todos os versos citados nesta crónica foram retirados do livro *Num Campo de Nada *de Marta Furtado.

Fajã de Baixo, 11 de Março de 2007

Publicada no *Correio do Norte*, a 20/03/2007

Ardemares"


Há muito tempo que tentava encontrar as palavras para um post sobre a Marta.
Faltavam-me sempre.
Mas, eis que, alguém conseguiu dizer aquilo que eu não consigo.
"Conheci" a Marta mas tenho a maior das penas de a não ter verdadeiramente conhecido. Deveria tê-lo feito mas os imperativos desta vida obrigaram-me, por vezes, a não escutar aquilo que podia e devia ter escutado.
Para ti Marta, estejas onde estiveres:
"O livro da Marta não tem fim. É como a Marta"
Amén.

3 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada, jocaferro. :)

jocaferro disse...

Ora, de nada!
Eu é que fico imensamente agradecido.
@braço.

Anónimo disse...

Adorei.
Já li alguns poemas do livro e sem dúvida, a maneira como ela utilizava as palavras, arrepiante mesmo.
Não gosto muito de ler e quando o faço, tem que ser algo que me fascine. Este livro, faço intenção de o ler, da primeira à última página.

Abraço tio